ESSE TEXTO PODERIA ESTAR NA COLUNA “MODERN LOVE” DO THE NEW YORK TIMES, OU NÃO

Bruna Benini
4 min readAug 11, 2020

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Photo by Sam Manns on Unsplash

Ela acordou mais uma manhã aflita e cansada por não ter conseguido dormir, faz três semana que Julia não dorme da forma apropriada. Foi um término recente, as mágoas e as lembranças ainda estão muito frescas para simplesmente seguir. Para ajudar, a ansiedade — com quem compartilha a vida, está no mais alto nível e precisa lembrar-se de pegar uma nova receita para algo mais pesado.

Ela levanta pensando que precisa seguir com a vida e com a rotina, está quase atrasada e sempre fora pontual, se demorar mais 10 minutos será mais um atraso para adicionar à sua lista de coisas que viraram comuns. Vai até a cozinha e vê duas xícaras na bancada, ela trava. Um turbilhão de sentimentos e lembranças retornam para sua mente, sei disso pois ela está completamente parada apenas observando a bancada.

Como sei disso? Acho que esqueci de mencionar, me chamo Monica e moro no prédio em frente à Julia, sou sua vizinha e gosto de observá-la. Não me entenda mal, observo-a apenas como uma boa vizinha cumprindo meu papel e nada a mais. Além de inspirar-me. Apesar de conhecer suas expressões, saber de sua vida e seus sentimentos, não passo de apenas uma vizinha. Julia terminou um namoro muito intenso de quase 2 anos há três semanas, desde então segue devastada. E eu sigo observando-a. Admirando. Continuo olhando pela janela e vejo que ela não está mais na cozinha, talvez foi chorar ou talvez se deu conta de que está a um passo de atrasar-se novamente. Ela trabalha próximo daqui, cerca de quatro quadras as quais prefere percorrer a pé, já eu trabalho em casa e gosto do meu aconchego e da minha maneira.

Percebo que Julia sai para trabalhar, seu semblante é o mesmo de todos os últimos 21 dias, abatida. Desejo consolá-la, mas não o faço e apenas observo enquanto ela caminha perdida em pensamentos. Eu sigo com minha rotina e ela segue com a dela, ao final do dia voltarei a vê-la pois estou inerte em minha janela observando o acontecer lá fora. Sou escritora meu trabalho é observar as pessoas e as coisas, às vezes dou uma atenção especial a algumas observações. E sou vizinha então observo. As horas vão passando e com elas o dia também passa enquanto eu sigo na janela fazendo meu trabalho, hoje rendeu e foi produtivo, talvez graças a inspiração matinal que tive.

Julia está voltando para casa, o semblante continua o mesmo e sei que está pensando nos dias em que costumava chegar do trabalho e ter companhia, ela olha para minha janela e acena um cumprimento junto com um sorriso não comum, aceno de volta e reparo. Já nos conhecemos, mas nunca trocamos mais que algumas poucas palavras e cumprimentos diários, ela sabe que a observo. É para minha inspiração. Ela entra em casa e faz seu ritual de descanso, nisso continua firme e acredito que seja para aliviar toda tensão e ansiedade que vem sentindo. Ah, eu sei de algumas coisas pois Julia mora em um apartamento onde as janelas são todas de vidro e é possível enxergar algumas coisas, claro que respeito sua privacidade por favor não pense o contrário de mim. Observo o que é sensato e permissível de observar.

Guardo minhas coisas de trabalho e vou para meu ritual de descanso, também possuo um e acredito que todos deveriam possuir, é relaxante se você fizer o correto. Faço minhas coisas e vou deitar, olho em meu celular e percebo que há uma mensagem de um número que não está em meus contatos, abro-a e me espanto. É uma mensagem da Julia escrita apenas um “oi :)”. Respondo imediatamente temendo ter acontecido algo, no entanto creio que apenas quer alguém para conversar pois prossegue com uma conversa usual. Nos falamos durante um tempo sobre coisas fúteis e dia a dia, ela está curiosa para saber se está em alguns de meus escritos já que a observo tanto. Mudo de assunto e após algumas horas caio no sono.

Na manhã seguinte acordo e faço meus afazeres, em seguida vou para minha janela que é também meu local de trabalho, Julia já levantou e está quase pronta para mais um dia. Diferente de todos os outros 21 dias, hoje ela sai no horário que sempre costumava sair e no lugar do semblante abatido está um breve e quase imperceptível sorriso. Dessa vez ela olha para mim já ao sair na rua e me acena um bom dia. Eu sorrio.

História de Julia e Monica, mas apenas o início.

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Bruna Benini

a licença poética me permite não fazer sentido | relações-públicas, escrevo vez ou outra e sou apaixonada por livros, café, cinema e escrita. |